Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Croché das coisas...
(Bernardo Soares, Livro do desassossego)


Afinal...

Sempre recusei a ideia! Nos últimos tempos, andava a desconfiar... Hoje tirei as dúvidas. Afinal sou feminista!!!
Revolto-me, logo sou!

(Albert Camus)

Pontos de crochet

Comecei, recentemente, a ler uma das obras mais famosas de Richard Dawkins - O gene egoísta. A verdade é que a genética sempre me fascinou; mas também é verdade que muita coisa me fascina e, por isso, nunca aprofundei mais do que o estritamente necessário, decorrente da minha formação profissional. Decidi alterar um bocadinho esta tendência, ou pelo menos tentar.
Pelo que li até agora, e espero estar a interpretar o que o autor quis dizer, Dawkins tem dado algumas noções de como terá ocorrido a evolução, desde o caldo primitivo até aos nossos dias. Tem argumentado a favor do gene enquanto unidade de evolução e tem explorado o conceito de Homem enquanto máquina de sobrevivência do próprio gene, num mundo regido pela lei do mais forte.
Se os genes nos "fizeram" máquinas da sua própria sobrevivência, porque envelhecemos e morremos nós? É a questão que o autor coloca na página que acabei de ler. Para dar algum tipo de resposta a esta pergunta, Dawkins recorre a alguns autores, nomeadamente à teoria de Medawar. Não me vou prender com a teoria em si, porque o meu objectivo é chegar a um pequeno pormenor que a teoria revela. Diz Dawkins:
"Abrindo um parêntese, uma das boas características desta teoria é conduzir-nos a algumas especulações bastante interessantes. Decorre dela, por exemplo, que, se quiséssemos prolongar a duração da vida humana, haveria duas maneiras gerais pelas quais poderíamos fazê-lo. Em primeiro lugar, poderíamos impedir a reprodução antes de uma certa idade, digamos, antes dos 40 anos. Depois de alguns séculos, o limite mínimo de idade seria aumentado para 50, e assim por diante. É presumível que, por este processo, a longevidade humana se estendesse até vários séculos."
Não pude deixar de fazer uma associação que me congelou por alguns momentos. A esperança média de vida tem aumentado, assim como a idade materna aquando do primeiro filho. Ou seja, a longevidade humana aumentou; vivemos, em média, mais anos. Pelo seu lado, as mulheres têm filhos mais tarde, sendo cada vez mais frequente terem o primeiro filhos depois dos 35 anos. Sempre atribuí o aumento da esperança média de vida aos avanços da tecnologia e da medicina. Da mesma maneira, sempre atribuí o aumento da idade materna às circunstância de vida e às expectativas e intenções humanas. Poderá esta concepção ser completamente errada e estes dois fenómenos estarem interligados entre si e não serem mais do que o reflexo da evolução genética? Do que a tentativa dos genes prolongarem a sua própria existência? Sou tentada a imaginar os genes como seres maquiavélicos e manipuladores (e começa a fazer todo o sentido o termo egoísta) e os humanos como robots que cumprem ordens!
Para quem valoriza a consciência, liberdade e auto-determinação esta perspectiva poderá ser assustadora. Até que ponto somos controlados pelos genes e até que ponto a nossa consciência tem uma palavra a dizer? Diz o resumo do livro que o autor "acalenta a esperança de que a nossa espécie - e apenas ela - consiga rebelar-se contra os desígnios do gene egoísta." Assim sendo, espero que estas questões existenciais decorram do facto de eu apenas ter lido 3 dos 13 capítulos do livro. De qualquer das maneiras, ocorreu-me esta questão e pareceu-me pertinente reflectir sobre isto.

Parece primavera!

Seduzida pelo sol, tomei a direcção do mar. No caminho, passei por uma avenida carregada de flores. Muito femininas, algo brancas, algo rosa, escorregavam de troncos de árvore, muito masculinos. Uma dança sensual que presenteou a minha viagem com a fertilidade da imaginação.

Chegada ao destino, fui rodeada pelos gritos desenfreados das ondas e pelas cores alegres daquela gente de tamanho pequeno. Escolhi um pedaço de relva fofa e deixei que o astro brilhante me assediasse as maçãs do rosto. Sorri... sentei-me... fechei os olhos... deitei-me... Contemplei o sabor quente dos raios na pele e deliciei-me a ler as páginas que seleccionei para o dia, ao som do meu amigo de longa data.

A meio da tarde, dei-me à tentação de provar um crepe besuntado de chocolate com textura aveludada, nozes deliciosamente crocantes e uma substância branca muito macia. E toda eu fui gula durante aquele espaço de tempo que não sei precisar. Apenas me lembro da intensidade de sabores que a minha língua e o meu palato muito atenciosamente me agradeceram. Voltei à relva, ao livro, à música e ao sol e permaneci por ali até o céu se tingir de vermelho muito vivo.

Eram, então, horas da despedida. Disse adeus ao astro, acariciei a relva em tom de apreço e dei um beijo de boa noite às palavras que estusiasmadamente me acompanharam. Senti um frio atrevido a tentar invadir-me as malhas do casaco e apressei-me em direcção ao aconchego do meu companheiro de viagem. O dia acabara, dava lugar ao negro da noite. Era o mote para voltar ao ponto de onde partira.

E se perder uma gotinha?!

Discos perdidos

Não me f**** o juízo

Numa das minhas incursões pelas livrarias, chamou-me a atenção o livro mais recente de Colin McGinn intitulado "Não me f**** o juízo". Imediatamente o agarrei e desfolhei, percebendo que se tratava de um ensaio de âmbito filosófico sobre foder o juízo (ou fornicar o juízo ou queca mental, sinónimos também sugeridos). Comprei!

Não descansei enquanto não o li... Aqui ficam uns excertos.


"Uma coisa é estar rodeado de tretas. Outra completamente diferente é que nos fodam o juízo. A primeira é irritante, mas a segunda é violenta e invasiva (excepto quando consentida). Se alguém lhe manipular os pensamentos e as emoções, lixando-lhe a cabeça, é natural que fique ressentido (...)."

"Pode a mente foder o juízo a si própria? Haverá psicofodas reflexivas? (...) Acreditar firmemente nas coisas que as nossas próprias fraquezas psicológicas nos sugerem e enaltecem, a despeito de quaisquer justificações racionais, é um exemplo de psicofoda reflexiva (...)."

Par de botas

(Alpes, 2006)

Desta vez ficaram em casa...

Na vadiagem com gatos!

O poeta está só, completamente só.
Do nariz vai tirando alguns minutos
De abstracção, alguns minutos
Do nariz para o chão
Ou colados sob o tampo da mesa
Onde o poeta é todo cotovelos
E espera um minuto de beleza.
Mas o poeta é aos novelos;
Mas o poeta já não tem a certeza
De segurar a musa, aquela
que tantas vezes, arrastou pelos cabelos...
A mosca Albertina, que ele domesticava,
Vem agora ao papel, como um insecto-insulto,
Mas fingindo que o poeta a esperava...

Quase mulher e muito mosca,
Albertina quer o poeta para si,
Quer sem versos o poeta.
Por isso fica, mosca-mulher, por ali...

- Albertina!, deixa-me em paz, consente
Que eu falhe neste papel tão branco e insolente
Onde belo e ausente um verso eu sei que está!

- Albertina! eu quero um verso que não há!

Conjugal, provocante, moreno e azulado,
O insecto levanta, revoluteia, desce
E, em lugar do verso que não aparece,
No papel se demora como um insulto alado.

E o poeta sai de chôfre, por uns tempos desalmado...

(Alexandre O'Neil)

Corticóide, precisa-se!

Quem conta um conto acrescenta um ponto, diz o ditado português... e diz muito bem! Mas também há aqueles que a um ponto acrescentam um conto, numa confabulação mirabolante de factos. Devo dizer que nada tenho contra as confabulações, muito pelo contrário; até me causam algum entusiasmo mental, quando dão mostras de expressão criativa e liberdade de processos cognitivos.
Depois há os que a alhos respondem com bugalhos, não se percebendo se pela ausência de compreensão dos conceitos ou se pela incompreensão da ausência de relação entre eles. Mais uma vez, nada tenho a apontar aos alhos e aos bugalhos, se estivermos numa tentativa de explorar conceitos e relações pouco convencionais e, às vezes, um tanto absurdas. Até me atreveria a dizer que é preciso quem o faça.
O que me causa algum prurido mental é a associação de confabulações, alhos e bugalhos, tudo na mesma cabeça e ao mesmo tempo, para dar resposta a problemas reais e bem concretos. Ter de conviver diariamente com esta anomia e esta desconexão neuronal causa-me uma comichão incontrolável.
Até onde irá a irresponsabilidade e a condescendência?!!

acigàm alenaj

(California Zephir, 2007)

Ser ou não ser

(Chicago, 2007)

Because...


Yellow Bunny seguiu o seu caminho!



You know why!

Coincidências encantadoras

O papel estava na porta do frigorífico! Acrescentámos mais duas ou três ideias e voltou para o sítio onde esteve dois anos, talvez menos um bocadinho. Desta vez, com um toque de olhar, comprometemo-nos a criar as condições para as pôr em prática.

O engraçado é que recordei o projecto, assim de repente... E a ideia entusiasmou-me. O engraçado é que nos encontrámos, por coincidência, depois de um ano sem contacto! O engraçado é que eu nem me lembrava da existência do papel onde rascunhámos meia dúzia de pensamentos. O surpreendente é que ela guardou o papel e o pendurou na porta do frigorífico, onde ficou dois anos à minha espera!

A sintonia com que nos deparámos, naquele momento, foi deliciosa! E foi como se ela sempre soubesse que este momento acabaria por chegar.

10


Mas juro que não hei-de ser infeliz

PORQUE NÃO QUERO


(As aventuras de João sem Medo, José Gomes Ferreira)