Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Croché das coisas...
(Bernardo Soares, Livro do desassossego)


Pontos de crochet

Comecei, recentemente, a ler uma das obras mais famosas de Richard Dawkins - O gene egoísta. A verdade é que a genética sempre me fascinou; mas também é verdade que muita coisa me fascina e, por isso, nunca aprofundei mais do que o estritamente necessário, decorrente da minha formação profissional. Decidi alterar um bocadinho esta tendência, ou pelo menos tentar.
Pelo que li até agora, e espero estar a interpretar o que o autor quis dizer, Dawkins tem dado algumas noções de como terá ocorrido a evolução, desde o caldo primitivo até aos nossos dias. Tem argumentado a favor do gene enquanto unidade de evolução e tem explorado o conceito de Homem enquanto máquina de sobrevivência do próprio gene, num mundo regido pela lei do mais forte.
Se os genes nos "fizeram" máquinas da sua própria sobrevivência, porque envelhecemos e morremos nós? É a questão que o autor coloca na página que acabei de ler. Para dar algum tipo de resposta a esta pergunta, Dawkins recorre a alguns autores, nomeadamente à teoria de Medawar. Não me vou prender com a teoria em si, porque o meu objectivo é chegar a um pequeno pormenor que a teoria revela. Diz Dawkins:
"Abrindo um parêntese, uma das boas características desta teoria é conduzir-nos a algumas especulações bastante interessantes. Decorre dela, por exemplo, que, se quiséssemos prolongar a duração da vida humana, haveria duas maneiras gerais pelas quais poderíamos fazê-lo. Em primeiro lugar, poderíamos impedir a reprodução antes de uma certa idade, digamos, antes dos 40 anos. Depois de alguns séculos, o limite mínimo de idade seria aumentado para 50, e assim por diante. É presumível que, por este processo, a longevidade humana se estendesse até vários séculos."
Não pude deixar de fazer uma associação que me congelou por alguns momentos. A esperança média de vida tem aumentado, assim como a idade materna aquando do primeiro filho. Ou seja, a longevidade humana aumentou; vivemos, em média, mais anos. Pelo seu lado, as mulheres têm filhos mais tarde, sendo cada vez mais frequente terem o primeiro filhos depois dos 35 anos. Sempre atribuí o aumento da esperança média de vida aos avanços da tecnologia e da medicina. Da mesma maneira, sempre atribuí o aumento da idade materna às circunstância de vida e às expectativas e intenções humanas. Poderá esta concepção ser completamente errada e estes dois fenómenos estarem interligados entre si e não serem mais do que o reflexo da evolução genética? Do que a tentativa dos genes prolongarem a sua própria existência? Sou tentada a imaginar os genes como seres maquiavélicos e manipuladores (e começa a fazer todo o sentido o termo egoísta) e os humanos como robots que cumprem ordens!
Para quem valoriza a consciência, liberdade e auto-determinação esta perspectiva poderá ser assustadora. Até que ponto somos controlados pelos genes e até que ponto a nossa consciência tem uma palavra a dizer? Diz o resumo do livro que o autor "acalenta a esperança de que a nossa espécie - e apenas ela - consiga rebelar-se contra os desígnios do gene egoísta." Assim sendo, espero que estas questões existenciais decorram do facto de eu apenas ter lido 3 dos 13 capítulos do livro. De qualquer das maneiras, ocorreu-me esta questão e pareceu-me pertinente reflectir sobre isto.

Sem comentários: