Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Croché das coisas...
(Bernardo Soares, Livro do desassossego)


Parece primavera!

Seduzida pelo sol, tomei a direcção do mar. No caminho, passei por uma avenida carregada de flores. Muito femininas, algo brancas, algo rosa, escorregavam de troncos de árvore, muito masculinos. Uma dança sensual que presenteou a minha viagem com a fertilidade da imaginação.

Chegada ao destino, fui rodeada pelos gritos desenfreados das ondas e pelas cores alegres daquela gente de tamanho pequeno. Escolhi um pedaço de relva fofa e deixei que o astro brilhante me assediasse as maçãs do rosto. Sorri... sentei-me... fechei os olhos... deitei-me... Contemplei o sabor quente dos raios na pele e deliciei-me a ler as páginas que seleccionei para o dia, ao som do meu amigo de longa data.

A meio da tarde, dei-me à tentação de provar um crepe besuntado de chocolate com textura aveludada, nozes deliciosamente crocantes e uma substância branca muito macia. E toda eu fui gula durante aquele espaço de tempo que não sei precisar. Apenas me lembro da intensidade de sabores que a minha língua e o meu palato muito atenciosamente me agradeceram. Voltei à relva, ao livro, à música e ao sol e permaneci por ali até o céu se tingir de vermelho muito vivo.

Eram, então, horas da despedida. Disse adeus ao astro, acariciei a relva em tom de apreço e dei um beijo de boa noite às palavras que estusiasmadamente me acompanharam. Senti um frio atrevido a tentar invadir-me as malhas do casaco e apressei-me em direcção ao aconchego do meu companheiro de viagem. O dia acabara, dava lugar ao negro da noite. Era o mote para voltar ao ponto de onde partira.

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