Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Croché das coisas...
(Bernardo Soares, Livro do desassossego)


Poesia e uma voz sussurrante

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.

Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.

Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.

Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.

Mas tenho que arrumar a mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.

Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.

Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei-de arrumá-la e fechá-la;
Hei-de vê-la levar de aqui,
Hei-de existir independentemente dela.
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.
Fim.


(Grandes são os desertos, Álvaro de Campos)

Manhã de segunda-feira



Estava hoje no trânsito, pela manhã, quando passam esta coisa na rádio. Foi quase orgásmico! Este senhor mexe com qualquer coisa cá dentro. Que boa maneira de começar o dia e a semana.

Valeu a pena?



Trouxe este álbum durante algum tempo no carro. Ouvi-o vezes sem conta nas muitas viagens que fiz. Recorda-me, naturalmente, um período muito específico da minha vida. Um período difícil, que ultrapassei porque não tinha outra alternativa... Mas sem saber como!

Foram momentos em que engoli sapos e tolhi impulsos. Foram momentos de braços de ferro na defesa de ideias. Momentos em que tentei olhar para aquilo que de bom têm as pessoas, sem me deixar afectar com o que têm de mau. Foram muitas as refeições ao som de Aimee Mann! Foram muitos os sinais vermelhos em que descansei os olhos! Foram muitas as saudades dos que me eram queridos!

Dois anos de oportunidades intensas de aprendizagem, que me permitiram crescer e perceber a diferença que faz dar de mim aos outros. Momentos difíceis, mas especiais. Foi com emoção que, hoje, os recordei.

Comemore-se



É com grande admiração que penso nos portugueses que fizeram uma revolução sem tiros, sem mortes, sem violência. Gente com a coragem de lutar por um mundo melhor; gente com respeito por si, pelos outros, pela vida. São este momentos que me deixam orgulhosa de ser portuguesa.

Somos feitos do material com que se tecem os sonhos

Contam-se pelos dedos as vezes em que me lembro do que sonho durante a noite. Isso sempre significou que durmo que nem um calhau e sempre me deu grande prazer o descanso que essas noites me proporcionam.

Agora, deu-me para me angustiar por acordar sem a mínima noção do que acontece durante a noite. Apenas sei que o tempo passa. Angustia-me não ter consciência do que se passa no meu cérebro durante aquelas horas. O que andará ele a cogitar? Com que sonho afinal? Será que sonho mesmo?!

Era só o que me faltava!!! Quero as minhas noites de sono pleno de volta!

Andaimes

(Casa, 2009)


Uma parede por cair
Chão para restaurar
Uma porta que deixa de existir
E pinturas até fartar

Um canto para ler
Um quarto para jardinar
Uma superfície pro que apetecer
E um piano para completar

No branco das paredes
Cores hão-de nascer
Já se vislumbra o entusiasmo a crescer

Pensamento orgásmico

Afinal, há luar!




A lua tem soado cá em casa!

... e etc.

(IM, 2009)
" Os homens vivem como se nunca fossem morrer...
... e morrem como se nunca tivessem vivido."

(Dalai Lama)

Petit-déjeuner à trois

(Museu de Serralves, Porto, 2009)


Bonsoir, dit-elle, est-ce libre?
Bonjour, dit le vieil homme,
Oui ces deux, à cette table sont encore libre.
Elle sourit et prend place.
Voulez vous déjeuner avec moi?
À trois le plaisir est bien plus grand.
Mais ce pas trop tard pour déjeuner?
Et pourquoi à trois?
Ce n'est jamais trop tard,
Mademoiselle, trois petits déjeuner s'íl vous plait.

La nuit tombe, le jour passe...
Ou bien est-ce la nuit qui passe et le jour qui se lève?
Nuit et jour en même temp
Le soleil montre le temps, pourtant le soleil n'a pas de temps.

Elle prend deux morceaux de sucre, un coeur, un dé.
Comment prenez-vous votre café?
Avec du lait, sans sucre
Dans ma vie il y a que des douceurs
Je la porte dans mon coeur et aus creux de mes mains,
Ainsi la chance me sourit toujours aux dés
Puisque sept précède le quatre.

Elle voulait être libre.
Mais qui peut apercevoir les étoiles le jour,
Le soleil brille toujours pour celui qui sait le voir!

Etes-vous un joueur?
Oui je le toujours étais, car la vie est mon jeu.
Il déjeune le soir, son jeu est la vie, rare mais charmant.
Avez-vous déjà gagné? Demand t-elle.
Depuis que je sais qui joue avec qui et que demain, aujourd'hui c'est hier, oui!
Dans ce jeu il n'y a que des gagnants.
Un jeu sans perdants,
Tout est emprunté, a qui?
A celui qui laisse les fleurs s'épanouir.

Est-ce que le café est bon? Demande t-il.
Oui, mais pourquoi parliez-vous de petit-déjeuner à trois?
Nous ne sommes que deux à cette table.
Deux couleurs nous guident, le noir et le blanc.
Le blanc serait-il le bon et le noir le mauvais?
Ou bien... le noir le bon et le blanc le mauvais?
Les deux sont justes ou bien aucun des deux.
Bon, vous ne voyez que nous deux, car vous n'avez que deux yeux jusqu'à présent, dit-il.
Mais oui c'est tout à fait normal!
La terre est plate,
La terre est le centre de l'universe,
L'homme est le couronnement de la création.
Est ce normal?
Les jeux sont faits, rien ne va plus, la roue se met à tourner...

(Une table à trois, Zen Men)

Discurso sobre o absurdo

À procura de eventos que me pudessem eventualmente interessar, surgiu-me a video-instalação "Pata-lugares" de Né Barros. Uma instalação criada a partir das conferências "Patafísica" organizadas pela ESAP curso de artes plásticas (bla... bla... bla...).

Patafísica... uma palavra que imediatamente soou a algo cómico no meu cérebro. Estes artistas têm mesmo a mania, pensei eu... lá queriam dar um nome engraçado e criativo às conferências e puf... fez-se a patafísica! Fui procurar informação sobre as ditas... E não é que a primeira coisa que aparece no google é um artigo da wikipédia a dizer que a patafísica ah e tal ciência, ah e tal das soluções imaginárias, ah e tal do absurdo... Fiquei perplexa!!! Afinal existe e até é um género de corrente artística!!! Santa ignorância!

Cheia de curiosidade, desafiei uma amiga, também dada a estas coisas do absurdo e fomos ver. Ficou um bocadinho aquém das expectativas... Mas inspiradas pelo minimalismo do absurdo no vídeo, ou não, deu-nos para dissertar, na viagem de regresso, sobre os "guizos" das aves e tentar fazer toda uma retrospectiva da cópula, entre outros, dos patos. Foi um pato-diálogo, num pato-lugar, que bem poderia ter acabado numa pato-instalação.

Singing lullabies